“Joãozinho nunca foi bom de garfo. Desde que iniciou a introdução alimentar, a hora de comer sempre foi um problema. Sua mãe já fez de tudo! Forçou Joãozinho até vomitar. Deixou Joãozinho comer só o que queria. Liberou o tablet na hora das refeições. Achou que era uma fase e que ia passar. Chorou e implorou de joelhos. Ameaçou. Pôs de castigo. Comprou um prato colorido com talheres novos. Deixou com fome. Fez promessa para o santo das causas impossíveis. Mandou comer na escola pra ver se funcionava. Fingiu que não estava acontecendo nada. Levou Joãozinho ao psicólogo. Comprou um polivitamínico. Colocou o nome do Joãozinho na caixinha de oração da igreja. Decorou o prato. Levou Joãozinho para ajudar na cozinha. Fez aviãozinho… E nada!”
Essa história lhe parece familiar? Será mesmo que a mãe de Joãozinho já fez de tudo? Quando uma criança come mal, muita gente traça mil planos para enfrentar a criança e convencê-la a comer. Mas na maioria das vezes, essas estratégias não funcionam. Boa parte das crianças que comem mal faz isso por questões comportamentais. Na maioria das vezes porque querem chamar atenção ou querem ter o simples prazer de dizer não… E o adulto tende a traduzir isso da seguinte forma: Está querendo aparecer? Tá achando que manda em alguma coisa? Pera aí que eu vou te mostrar quem manda aqui! E assim se trava uma batalha longa e desgastante, que muitas vezes não leva a lugar nenhum.
Que tal olhar para essas duas necessidades da criança sob uma nova ótica? Chamar atenção pode parecer pirraça, mas na verdade isso é um instinto de sobrevivência, uma forma de garantir sua existência, uma vez que a criança é um ser totalmente dependente. O não comer é a forma mais clássica que existe da criança dizer: estou aqui! E quando ela diz isso, ela quer ser ouvida! Que tal parar para escutar sua criança?
O não comer pode ser uma forma de dizer que não aguenta mais esse ritmo corrido de vida, que não aguenta mais ver os pais brigarem, que não aguenta mais passar o dia todo entre 4 paredes, que não aguenta mais ser tratado como um adulto ou que existe algum problema impossível de expressar em palavras devido à imaturidade. Se sentir no domínio é se sentir gente. Isso te soa estranho? Pois é, a verdade é que muitas vezes a criança é tratada como coisa e não como gente. E é lógico que ela vai querer provar por A + B que ela também é uma pessoa. Que ela tem vontades próprias, que ela não é um troféu e nem um portfólio dos seus pais. Que ela não é uma coisinha obrigada a usar laços, a gostar de ballet ou a dominar o inglês aos 5 anos de idade… E vamos combinar… Isso é um direito dela.
Vale a pena refletir sobre a possibilidade de você estar depositando expectativas ou frustrações em excesso em cima de uma pessoa que veio para escrever uma nova história, e não para corrigir a sua. Então, se seu filho come mal, o primeiro passo deve ser a empatia. Olhe para a sua criança e tente entender o que ela está tentando lhe dizer com esse comportamento. Evite o enfrentamento e desenvolva a compaixão. Se una a ela nessa batalha onde vocês dois fazem parte da mesma equipe.
Não se sinta superior, se abaixe, olhe nos olhos, assuma sua parcela de responsabilidade. Abrace suas vulnerabilidades. Mude sua forma de pensar. Entenda que será um processo e não uma mágica, e se disponha a ajudar no que preciso for. Desarme seu filho com a empatia e se prepare para uma parceria de muito sucesso para o resto da sua vida.
Nutricionista pediátrica e terapeuta alimentar. Fundadora do Alice no país das comidinhas, uma clínica pediátrica que reúne diversas especialidades da saúde totalmente preparadas para tratar as questões alimentares inerentes à infância.